Uma equipa de investigadores internacional liderada por Miguel Prudêncio no Instituto de Medicina Molecular (iMM; Portugal), juntamente com Robert Sauerwein no Radboud University Medical Center (Holanda) e Perry van Genderen no Erasmus MC (UMC Roterdam; Holanda), publicou hoje, na revista científica Science Translational Medicine, os resultados do ensaio clínico de Fase 1/2a de uma potencial nova vacina contra a malária, denominada PbVac, que envolveu um total de 24 voluntários saudáveis. Embora nenhum dos indivíduos vacinados ficasse totalmente protegido contra a doença, os resultados mostraram uma redução muito significativa de 95% na infeção hepática dos voluntários imunizados em relação aos indivíduos controlo, não imunizados. Este estudo abre caminho para desenvolvimentos adicionais da vacina PbVac e similares, no sentido do desenvolvimento de uma estratégia de vacinação eficaz contra a malária humana.
A malária é uma doença causada por parasitas Plasmodium que, apesar dos progressos registados na última década, causaram mais de 400.000 mortes só em 2018. Uma vacina eficaz é considerada uma ferramenta crucial para a prevenção e futura eliminação da malária. No entanto, o desenvolvimento clínico de uma vacina contra a malária provou ser um enorme desafio para inúmeros grupos de investigação ao longo dos anos e em todo o mundo. Esta dificuldade resulta sobretudo da complexa biologia dos parasitas da malária, cujo ciclo de vida incui várias etapas que ocorrem quer no mosquito, vetor da doença, quer no hospedeiro mamífero, incluindo um estágio obrigatório e assintomático de desenvolvimento no fígado humano.
O PbVac é o primeiro membro de uma nova classe de agentes do tipo “organismo completo” desenhados para a vacinação contra a malária. Miguel Prudêncio, líder do grupo no iMM (Portugal) e responsável por este estudo, explica: “Este trabalho começou há cerca de 10 anos com a ideia inovadora de usar parasitas de roedores, que não são patogénicos para os seres humanos, como base para uma nova vacina contra a malária”. António Mendes, pós-doutorado deste grupo de investigação desde o início do projeto, e um dos primeiros autores do estudo, explica que “o PbVac consiste num parasita da malária de roedores, chamado Plasmodium berghei, que foi geneticamente alterado para ficar “mascarado” com uma proteína do seu homólogo que infeta humanos, o P. falciparum”. Após a validação pré-clínica da imunogenicidade e segurança do PbVac para uso humano, os investigadores do iMM realizaram, em parceria com colegas da Radboudumc e Erasmus MC, e com financiamento e aconselhamento da PATH’s Malaria Vaccine Initiative, um ensaio clínico de Fase 1/2a, envolvendo um total de 24 voluntários saudáveis, para verificar a segurança e a eficácia protetora do PbVac na clínica.
Os resultados mostram agora que o PbVac é seguro e bem tolerado, e que exerce um potente efeito biológico contra a infeção por P. falciparum. Os cientistas observaram uma diminuição muito significativa de 95% na infeção hepática por P. falciparum – o primeiro estágio da infeção por malária em humanos – em voluntários imunizados com PbVac, quando comparados a indivíduos controlo, não imunizados.
Robert Sauerwein, cujo grupo liderou a avaliação clínica do PbVac na Radboud University Medical Center (Holanda), diz: “estes resultados mostram que o princípio do PbVac funciona, mas que a composição da vacina ou a sua dose podem ser ajustadas”.
Helena Nunes Cabaço, também pós-doutorada do grupo de Miguel Prudêncio e primeira autora do trabalho, avaliou a resposta imunitária nos indivíduos imunizados: “Mostrámos que a imunização com o PbVac leva à produção de anticorpos altamente funcionais que reconhecem P. falciparum e inibem significativamente a sua capacidade de infectar as células do fígado. Estes resultados demonstram o potencial do PbVac como agente de imunização eficaz contra a malária”.
Para Perry van Genderen, investigador do Erasmus MC (Holanda), “o uso desta plataforma de imunização transgénica inteligente de esporozoítos de Plasmodium berghei ampliou substancialmente o potencial de desenvolvimento de novas vacinas em humanos”.
Miguel Prudêncio diz: “Este estudo fornece a validação clínica de uma nova abordagem de vacinação contra a malária, e abre possibilidades para a sua otimização no sentido da criação de uma vacina eficaz contra a malária”.
O trabalho pré-clínico e a análise das respostas imunes foram desenvolvidos no iMM e a avaliação clínica do PbVac ocorreu no Radboudumc e no Erasmus MC. Este trabalho foi apoiado principalmente pela PATH’s Malaria Vaccine Initiative e também pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, Portugal, Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) através dos Fundos do Orçamento de Estado e do Dutch Research Council (Holanda).
Créditos: Helena Pinheiro, iMM