Um estudo liderado por Luísa Lopes, Investigadora Principal do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (iMM; Portugal) e publicado hoje em acesso aberto na conceituada revista científica Molecular Psychiatry, descreve um novo mecanismo envolvido na perda de memória associada ao envelhecimento. O trabalho desenvolvido ao longo de 3 anos por uma equipa constituída por cientistas portugueses, franceses e alemães mostra que alterações específicas na sinalização nos circuitos envolvidos na memória induzem uma resposta anormal das células nervosas do cérebro que está associada com o envelhecimento. Sendo que o maior facto de risco das doenças neurodegenerativas é o envelhecimento, a compreensão destes processos é crucial na definição de novas estratégias terapêuticas.
Os investigadores estudaram o cérebro de pacientes idosos e verificaram, pela primeira vez, que um receptor de adenosina, denominado A2A (alvo da cafeína no cérebro) localiza-se especificamente em neurónios. “Já sabíamos que este receptor estava aumentado nestas condições, mas havia muito pouca informação sobre o tipo de células nas quais os receptores estariam de facto localizados. Demonstrámos que estes receptores se concentram sobretudo em neurónios, as células nervosas e menos nas células da glia, pelo menos em pacientes idosos”, explica Luísa Lopes, investigadora do iMM e coordenadora do estudo.
Para perceber melhor a sua função, a equipa de investigadores gerou um modelo animal que reproduz o aumento do receptor de adenosina nas mesmas áreas cerebrais que as observadas nos pacientes. A equipa verificou que nestes neurónios, ocorre um aumento de libertação de glutamato, o neurotransmissor mais abundante no cérebro. Usando uma combinação de registos elétricos e medições de cálcio foi possível detectar que nestas condições ocorre uma sobreativação da sinalização por glutamato. “O simples facto de alterarmos a quantidade do receptor de adenosina em neurónios do hipocampo e cortex, induziu um perfil que nós designámos por envelhecimento precoce, já que causa défices cognitivos e alterações na transmissão neuronal”, explica Mariana Temido, primeira autora do trabalho e estudante do programa doutoral Lisbon BioMed do iMM.
“Para provarmos a importância desta descoberta, quisémos provar que este mesmo mecanismo ocorre de facto em animais idosos e não só no nosso modelo.. Por um lado demonstrámos que a sobreativação de receptores de glutamato se detecta em animais idosos. Por outro lado, mostrámos que o receptor A2A está de facto implicado neste circuito, porque quando bloqueámos a sua ação, normalizámos tanto a função neuronal como revertemos os défices de memória”, descreve Luísa Lopes.
Este estudo abre novas perspectivas para o desenho de fármacos que regularizem esta sinalização aberrante agora descoberta, nomeadamente da família da cafeína que também foi testada com eficácia no estudo. Além disso, permite criar novos modelos que sejam úteis na compreensão do envelhecimento.
Temido-Ferreira M, Ferreira DG, Batalha VL, Marques-Morgado I, Coelho JE, Pereira P, Gomes R, Pinto A, Carvalho S, Canas PM, Cuvelier L, Buée-Scherrer V, Faivre E, Baqi Y, Müller CE, Pimentel J, Schiffmann SN, Buée L, Bader M, Outeiro TF, Blum D, Cunha RA, Marie H, Pousinha PA and Lopes LV (2018) Age-related shift in LTD is dependent on neuronal adenosine A2A receptors interplay with mGluR5 and NMDA receptors. Molecular Psychiatry. doi: 10.1038/s71380-018-0110-9; https://www.nature.com/articles/s41380-018-0110-9