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Acertar o relógio na Primavera afeta o padrão de sono em doentes com atraso de fase de sono

Todos os anos, a chegada da Primavera traz uma discussão recorrente: devemos alterar a hora dos relógios para que a luz do dia se mantenha até mais tarde? Esta decisão política ganha uma hora extra de luz à noite durante o Verão e afeta um quarto da população mundial. Mas será esta a melhor decisão de acordo com a nossa fisiologia? Agora, um novo estudo conduzido por Cátia Reis, investigadora pós-doutorada do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (iMM, Portugal), e publicado na revista científica Journal of Pineal Research, mostra que mudar os relógios na Primavera custa mais de uma hora de sono a doentes que sofrem de um distúrbio chamado atraso de fase de sono.

A maioria dos organismos responde a um relógio interno que adapta as respostas fisiológicas ao tempo solar. Nos mamíferos, o ciclo de luz e escuridão é, de longe, o estímulo mais importante. “O nosso corpo responde ao ciclo de luz e escuridão produzindo melatonina, que induz o sono. Esta hormona, a melatonina, muitas vezes chamada a “hormona da noite”, é produzida em resposta à ausência de luz e degradada pela luz da manhã”, explica Cátia Reis, líder do estudo, acrescentando: “Normalmente a melatonina é produzida em média até 3 horas antes de dormir. Cada pessoa tem o seu próprio momento de produção da hormona. Algumas pessoas produzem-na mais cedo e ficam cansadas mais cedo à noite, mas também acordam logo ao amanhecer: chamamos-lhes “cotovias”. Outras são mais como corujas, ficam acordadas até mais tarde à noite e dormem mais durante a manhã. A maioria de nós é, na verdade, como pombas, com um padrão de sono algures entre estes dois extremos. As pessoas que sofrem de atraso de fase de sono são corujas extremamente tardias”.

Neste estudo, os investigadores analisaram 82 pacientes do CENC, o Centro de Medicina do Sono, em Lisboa (fuso horário GMT), e registaram os horários de sono e a hora de produção de melatonina daqueles que chegavam à clínica em horário normal ou no horário de verão. Sobre os resultados do estudo, Cátia Reis diz: “Verificámos que durante o horário de verão, os pacientes adormeciam a uma hora semelhante, mas acordavam mais de uma hora antes nos dias de trabalho. Isto resulta numa perda sustentada de sono. O horário de verão retira uma hora de luz pela manhã, quando precisamos de luz para degradar a melatonina, e adiciona-a à noite, quando precisamos de escuridão para produzir melatonina”. Quanto à hora de produção de melatonina, verificaram que é semelhante no horário padrão ou de verão, especialmente quando corrigida pela hora solar, sugerindo que a alteração apenas aumenta a distância entre a hora local e a hora solar. Como a hora de produção de melatonina é a mesma de acordo com a hora solar, as pessoas irão produzi-la mais tarde na hora do relógio, mas devido aos constrangimentos sociais, como o trabalho, acordam à mesma hora do relógio. “Este efeito é exagerado nos doentes com atraso de fase de sono, que são mais resistentes à adaptação, mas podem ser extrapolados para a população em geral. Outros investigadores encontraram implicações negativas deste desfasamento entre o tempo solar e biológico, tais como o aumento do risco de desenvolver certas doenças ou o aumento da frequência de acidentes nos dias que se seguem à mudança de hora”, partilha Cátia Reis.

“Com a industrialização, a diminuição da luz durante o dia no interior dos edifícios e as luzes elétricas à noite foi alterando a maioria dos relógios humanos para se tornarem mais tardios: estamos todos a transformar-nos em corujas. Mas os nossos horários sociais continuam bastante matinais e estão desalinhados com os nossos relógios internos, que respondem ao tempo solar. Temos os padrões de sono das corujas, mas a nossa vida social exige que sejamos cotovias! Este desfasamento está associado a défices de saúde. A mudança para a hora de verão na Primavera apenas retira uma hora de luz pela manhã e muda-a para a noite, aumentando a discrepância entre a hora solar e a hora do relógio. Como o nosso ritmo biológico sincroniza com a luz solar, o aumento desta diferença reduz o tempo total de sono”, acrescenta Cátia Reis, tomando uma posição sobre este assunto.

Este trabalho foi desenvolvido no iMM em colaboração com a Universidade Católica Portuguesa (Portugal), a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (Portugal), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Brasil), a Charité Universitätsmedizin Berlin (Alemanha), o CENC Sleep Medicine Center (Portugal), a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade NOVA de Lisboa (Portugal) e o Institute of Medical Psychology and Institute for Occupational, Social and Environmental Medicine (Alemanh). Este trabalho foi financiado pela European Molecular Biology Organization e a Fundação Portuguesa para a Ciência e a Tecnologia.

Cátia Reis, Luísa K. Pilz, Achim Kramer, Luísa V. Lopes, Teresa Paiva, Till Roenneberg. (2023). The impact of daylight-saving time (DST) on patients with delayed sleep-wake phase disorder (DSWPD). Journal of Pineal Research. DOI: 10.1111/jpi.12867