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Novo estudo liderado por Gonçalo Bernardes, investigador principal do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (iMM) e Universidade de Cambridge (Reino Unido), em colaboração com investigadores da Universidade de Pensilvânia (EUA), identifica a piperlongumina como novo potencial fármaco para o tratamento do glioblastoma multiforme, a partir de um algoritmo de inteligência artificial (IA). Os resultados agora publicados na revista cientifica ACS Central Science constituem uma prova de conceito, suportada por dados funcionais e estruturais que demonstram o impacto que a química computacional pode trazer à descoberta de novos fármacos. Em particular, as possibilidades terapêuticas identificadas para o glioblastoma multiforme estão na génese da biotecnológica TargTex S.A., fundada em 2019.

O Glioblastoma Multiforme é o tumor cerebral primário mais agressivo e mais comum nos adultos, estimando-se cerca de 200 000 pacientes em todo o mundo, com maior incidência nos países asiáticos (±50%). A progressão da doença é muito acelerada e a remoção cirúrgica completa do tumor é apenas possível numa fração pequena de pacientes, tornando o prognóstico limitado. É assim urgente potenciar desenvolvimento de novas terapias que permitam o aumento da sobrevida destes pacientes.

O grupo liderado por Gonçalo Bernardes que estuda desde há alguns anos as propriedades anti-cancerígenas de diferentes compostos naturais, usou IA que prevê possíveis relações estruturais entre moléculas, permitindo identificar potenciais novos fármacos e alvos terapêuticos. “Uma das moléculas que temos vindo a estudar é a piperlongumina, um composto natural encontrado em algumas plantas de pimenta especificas da Ásia e Índia e que é descrito como tendo um potencial anti-cancerígeno mas cujo modo de ação ainda não é conhecido”, começa por explicar Gonçalo Bernardes. “Quando testámos a piperlongumina (que funciona como uma chave), usando um algoritmo de IA confirmámos uma interação desta molécula com uns receptores específicos chamados TRP (que funcionam como uma fechadura), em particular, com o TRPV2, um regulador de cálcio nas células e que está associado a um mau prognóstico em gliomas”, acrescenta o investigador.

Para os investigadores, a observação foi ainda mais interessante porque a interação prevista entre a piperlongumina e o receptor TRPV2 ocorre numa região que é pouco propensa a interações com ligandos, permitindo identificar um novo e potencial local de interação com fármacos. De seguida, os investigadores avançaram para a validação química e funcional desta interação. Em colaboração com colegas da Universidade de Pensilvânia e usando ferramentas de microscopia eletrónica, os investigadores confirmaram a estrutura da ligação entre as duas moléculas, numa conformação que permitiu inferir o modo de ação da piperlongumina que parece bloquear a passagem de cálcio. Por outro lado, em ensaios com modelos celulares de glioblastoma multiforme e amostras de tecidos, os investigadores observaram que células com mais receptores TRPV2 são mais susceptíveis à piperlongumina, confirmando que esta modula a atividade do receptor e que isso impacta a viabilidade das células cancerígenas, um resultado que sugere uma potencial relevância terapêutica contra o glioblastoma multiforme.

Para validar estes resultados em modelos animais de glioblastoma multiforme, os investigadores usaram um hidrogel formulado com a piperlongumina e que permite a aplicação local intracraniana com uma libertação controlada e continua desta molécula ao longo de vários dias. Os resultados mostraram uma diminuição significativa das massas tumorais, o que também observaram em amostras de tumores retirados de pacientes com glioblastoma multiforme. A piperlongumina apresentou um efeito antitumoral muito potente e seletivo, atuando através de um novo mecanismo de ação, resultando na remissão quase completa da doença, o que mostra o seu potencial para evitar recidivas de glioblastoma multiforme.

Sobre a importância destes resultados, Gonçalo Bernardes afirma: “Estes dados foram muito importantes porque demonstram também como é que esta estratégia de aplicação pode resultar neste tipo de tumores, em que a cirurgia necessita de ser complementada com outros meios de tratamento. De facto, esta estratégia está na base da startup TargTex, apoiada pela Portugal Ventures e que nos permitirá explorar o potencial destes e de outros novos fármacos, no tratamento de tumores como o glioblastoma multiforme”.

Este estudo foi realizado no iMM e Universidade de Cambridge em colaboração com a Universidade de Pensilvânia. Este estudo foi financiado pelo programa Horizon 2020 da Comissão Europeia e Medical Research Council do Reino Unido, National Institute of Health dos Estados Unidos, Fundação para a Ciência e a Tecnologia em Portugal e pela European Molecular Biology Organization.

João Conde, Ruth A. Pumroy, Charlotte Baker, Tiago Rodrigues, Ana Guerreiro, Bárbara B. Sousa, Marta C. Marques, Bernardo P. de Almeida, Sohyon Lee, Elvira P.Leites, Daniel Picard, Amrita Samanta, Sandra H. Vaz, Florian Sieglitz, Maike Langini, Marc Remke, Rafael Roque, Tobias Weiss, Michael Weller, Yuhang Liu, Seungil Han, Francisco Corzana, Vanessa A. Morais, Cláudia C. Faria, Tânia Carvalho, Panagis Filippakopoulos, Berend Snijder, Nuno L. Barbosa-Morais, Vera Y. Moiseenkova-Bell, Gonçalo J. L. Bernardes. (2021). Allosteric antagonist modulation of TRPV2 by piperlongumine impairs glioblastoma progression. ACS Central Science.