O banco que salva vidas
O maior banco de amostras biológicas de Portugal fornece centros de investigação em toda a Europa Virgílio Azevedo Fotos Luís Barra O material biológico chega conservado em gelo numa caixa frigorífica de cor alaranjada e dá entrada nos laboratórios do Biobanco. É o maior banco de amostras biológicas do país, está instalado no Instituto de Medicina Molecular (iMM) e tem fornecido centros de investigação em Portugal, Espanha, Alemanha e outros países da Europa ou da América. Desta vez a viagem foi curta, porque é uma amostra de um tumor cerebral retirado a um doente numa cirurgia feita no bloco operatório do Hospital de Santa Maria, ali mesmo ao lado, num vasto espaço da Cidade Universitária: o Centro Académico de Medicina de Lisboa (CAML). Ângela Afonso retira da geleira o material biológico e passa à fase seguinte: a dissociação da amostra em vários pedaços para armazenamento, feita na câmara de fluxo laminar, “que permite processar amostras biológicas em condições de esterilidade”, isto é, num ambiente de ar purificado. “Todos os laboratórios que usam amostras biológicas têm estas câmaras para o seu processamento”, explica a investigadora. Ao lado da câmara fica uma estufa onde vão ser conservadas células vivas da amostra a 37 graus. “Há amostras de tumores que congelamos logo e outras que mantemos células vivas para estudos de resposta a novos medicamentos com modelos animais (ratinhos), porque estes estudos não podem ser feitos com material congelado”, esclarece Ângela Afonso. Segue-se a entrada das amostras numa máquina de extração dos ácidos nucleicos, ou seja, ADN e ARN, os ácidos que existem em todas as células vivas e que são responsáveis pelo armazenamento e transmissão da nossa informação genética. A operação é feita pontualmente por Carmo Fonseca, presidente do iMM e do CAML, e por Sérgio Dias, codiretor do Biobanco iMM, enquanto mostram ao Expresso como funciona todo o processo. Depois, a técnica Fabiana Rodrigues recebe o material e faz o controlo de qualidade em computador dos ácidos nucleicos extraídos. As amostras que vão ser usadas a curto prazo pelos centros de investigação são armazenadas pela técnica Rebeca Santos nas pequenas gavetas de uma das quatro grandes arcas de refrigeração do banco a 80 graus negativos. As amostras usadas apenas a longo prazo (seis meses a um ano ou mais) são guardadas pela técnica Ana Sofia Zhao num dos dois potes de azoto líquido existentes, a 160/180 graus negativos. Riqueza de informação “O que enriquece o Biobanco é a diversidade das amostras e a informação relacionada com a sua descrição”, salienta Sofia Zhao. “As amostras são catalogadas segundo o género do dador, idade, altura, peso, índice de massa corporal, diagnóstico (no dador doente) e respetiva terapêutica”. Mas podem estar outras informações clínicas associadas, “que dependem da forma como a amostra vai ser usada, área de estudo, sintomatologia antes de o dador doente ser operado, tratamentos feitos (quimio e radioterapia, por exemplo), etc.”, afirma Carmo Fonseca. “Só com a intermediação dos biobancos é possível ter um conhecimento mais profundo da diversidade metabólica dos seres humanos”, sublinha a presidente do iMM. “A pessoa que morreu nos testes a um novo medicamento encomendados pela Bial a um laboratório francês tinha um metabolismo distinto da média”. Assim, “é prioritário reunir o máximo de informação clínica e biológica do maior número de pessoas possível”. Sérgio Dias acrescenta que os biobancos “têm de ser centros de partilha de informação com o resto do mundo e, para isso, é preciso uma rede nacional de biobancos integrada nas redes mundiais”. Portugal está atrasado nesta matéria, apesar de existir o projeto Biobanco.pt com esse objetivo, um consórcio que integra os biobancos do iMM, Instituto Gulbenkian de Ciência, Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, Fundação Champalimaud, Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, Instituto Ricardo Jorge, Universidade de Coimbra e Hospital de Santo Espírito (Açores). “O projeto já foi apresentado ao Governo, só que ainda não temos uma resposta”, lamenta Sérgio Dias.“Mas precisa da participação pública para ter legitimidade nas redes internacionais de biobancos”. BIOBANCO iMM 133 mil amostras de saliva, sangue, urina, osso e tecido tumoral, acompanhadas da informação clínica correspondente, estão guardadas no Biobanco iMM 14 mil doadores doentes e saudáveis forneceram estas amostras, que estão organizadas em 38 coleções e distribuídas por mais de 11 áreas terapêuticas, como a reumatologia, neurologia, cardiologia ou pneumologia 4767 amostras foram fornecidas a centros de investigação em Portugal, Espanha e Alemanha em 2015 (o dobro de 2014). Em 2016 já foram pedidas 2115 amostras COMO SÃO PROCESSADAS AS AMOSTRAS RECEÇÃO O Biobanco iMM recebe do bloco operatório do Hospital de Santa Maria (Lisboa) a amostra de um tumor cerebral retirado a um doente numa cirurgia. A amostra foi enviada numa caixa frigorífica com gelo. PROTOCOLOS A amostra está sujeita a protocolos fixos na sua manipulação e armazenamento, que garantem a sua qualidade para uso em projetos de investigação biomédica, isto é, que garantem que as proteínas e os ácidos nucleicos (ADN e ARN) das células e dos tecidos humanos não se degradam. A riqueza do Biobanco iMM depende da diversidade e da qualidade das amostras biológicas que armazena e disponibiliza às comunidades científicas nacional e internacional, assim como da informação sobre essas amostras e os seus dadores. DIVISÃO A amostra é dividida em pedaços mais pequenos, um processo chamado dissociação, feito numa câmara de fluxo laminar, isto é, em condições de esterilidade (ar purificado). Assim, o Biobanco iMM fica com várias amostras do mesmo dador. As amostras estão organizadas em 38 coleções e distribuídas por mais de 11 áreas terapêuticas. Cada coleção tem um investigador responsável a quem cabe criar projetos com os cientistas interessados em usar as amostras nas suas pesquisas. EXTRAÇÃO Carmo Fonseca, presidente do Instituto de Medicina Molecular (iMM), e Sérgio Dias, codiretor do Biobanco, colocam as amostras numa máquina de extração de ácidos nucleicos (ADN e ARN), que existem em todas as células vivas e são responsáveis pelo armazenamento e transmissão da informação genética. O Biobanco, instalado no iMM, completa cinco anos de existência a 2 de maio e é considerado o maior banco português de amostras biológicas para investigação. A sua recolha resulta de parcerias criadas com hospitais de todo o país. As amostras são vendidas aos centros de investigação por preços que variam entre 35 cêntimos e cerca de dois euros cada uma, valores que só pagam os custos, porque os biobancos públicos não podem dar lucro, segundo as regras internacionais. CONTROLO Há todo um processo de controlo de qualidade em computador, desenvolvido de acordo com parâmetros internacionais, dos ácidos nucleicos (ADN e ARN) extraídos das amostras, que é essencial para garantir a credibilidade do Biobanco iMM quando os centros de investigação biomédica requisitam amostras. Estas são provenientes de dadores voluntários, doentes ou saudáveis, que assinam um documento o Consentimento Informado que os informa da utilização que será dada às amostras e aos respetivos dados clínicos. CULTURA A separação de células vivas para cultura em estufa a cerca de 37 graus (a temperatura aproximada do corpo humano) é uma das formas de aproveitamento das amostras biológicas que chegam ao Biobanco iMM. As células vivas são usadas em estudos de resposta humana a novos medicamentos feitos com modelos animais (normalmente ratinhos), investigação que não pode ser feita com materiais biológicos congelados. ARMAZENAMENTO Para outros estudos e projetos de investigação, as amostras de tecidos e células são guardadas em arcas de refrigeração a cerca de 80 graus negativos, mas quando o seu uso não está previsto no prazo de seis meses a um ano ou mais, são depositadas em potes de azoto líquido a cerca de 160/180 graus negativos, acondicionadas em criotubos de plástico (polipropileno) que resistem a grandes diferenças de temperatura. Na foto, a investigadora Ana Sofia Zhao guarda uma amostra a 196 graus negativos. TRANSPORTE As informações sobre as amostras e os respetivos dadores são inseridas numa base de dados, que é decisiva para responder aos pedidos dos centros de investigação ou das universidades. O material biológico é enviado por estrada ou avião devidamente acondicionado. As empresas de transportes, em especial as de correio expresso, estão preparadas para levar este tipo de materiais.